Cuidar: mais que um propósito, um ato de amor.
Acredito que nem todos nascem com o dom de cuidar. Nem de si, nem do próximo. Muitas vezes são as ocasiões que nos levam a cuidar. Outras é apenas o dom inato a vir ao de cima.
Cuidei durante dez anos do meu pai.
Ele cuidou dezoito anos de mim, com todo o seu amor e sem exigências. Ensinou-me a vida com Amor. O mínimo que lhe poderia ter dado de mim, seria cuidar dele tão bem quanto sabia. No entanto nunca o senti como uma obrigação, mas sim como um agradecimento pelo tanto que ele me deu.
Mais pudesse eu fazer, e faria.
A sociedade em que vivemos não olha para os cuidadores com a atenção que lhes é merecida. O cuidador muitas vezes abdica da sua vida em prol de algo maior, ajudar o outro. É um ato de um altruísmo muito grande. Pais que cuidam de filhos, filhos que cuidam de pais, avós que tantas vezes precisam de apoio no fim da sua jornada. Maridos e mulheres que no alto do seu grande amor se cuidam até ao último suspiro. Todas essas pessoas cuidam umas das outras porque o amor que carregam no peito é maior que a possível dor de ver quem amam sofrer. É algo maior que o seu ego.
O meu pai viveu com uma doença que lhe ditou a sentença logo à chegada e nunca lhe deu prazo de validade. Face a esta realidade, deixamos de contar o tempo quando não sabemos quanto tempo vamos ter. Passamos a aproveitar os segundos como se fossem horas. Cada momento importa!
E ainda assim, muitas vezes o cansaço faz com que tudo seja posto em causa, até a fé, para quem é crente. São horas, dias, anos… Deixamos de mandar no nosso tempo. E aqueles jantares de amigos, as idas em grupo à praia, os cafés nas esplanadas passam para segundo plano. Muito pelo cansaço, mas, no meu caso, também porque queria aproveitar ao máximo o pouco tempo que não sabia que tinha.
A vida deu-me escolha, dá-nos sempre, e eu escolhi dar todo o meu amor àquele que tanto me deu durante tantos anos. Não foi fácil para nenhum de nós: foram noites seguidas sem dormir, idas e mais idas a hospitais, avanços e recuos. Foram esperanças seguidas de desilusões. Foi um longo caminho para ambos.
A forma como o nosso corpo se vai degradando é uma realidade assustadora de assistir. A impotência perante a dor do outro é o mais difícil de gerir. Culpei-me demasiado tempo por não o ter conseguido “salvar” por não ter feito mais ainda, por muitas vezes deixar o cansaço mandar em mim.
Hoje sei que dei o meu melhor com tudo o que sabia.
A angústia da perda é muitas vezes agonizante, e ainda aprendo a viver com ela ao fim de quatro anos da nossa despedida. A minha mente é invadida de memórias, de momentos que foram bem vividos, e assim então acalmo o coração.
Desistir não era sequer hipótese, afinal de contas ninguém caminha sozinho. E se há coisa que aprendi neste caminho foi que o amor e a dedicação têm uma força enorme capaz de apaziguar. Não curei o meu pai, mas vivo com a certeza de que o fim do seu caminho foi cheio de alegria, sorrisos e amor. Muito Amor.